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Em Portugal a realidade dos espaços de jogo e de recreio é ainda motivo de preocupação: não se sabe ao certo quantos existem, a manutenção dos mesmos é, regra geral, deficiente e os mecanismos de inspecção e fiscalização previstos não são definitivos.
A pedido do Instituto do Consumidor (IC), a Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI) realizou, em 2004, um estudo sobre as inspecções realizadas aos espaços de jogo e recreio. “No âmbito deste trabalho foram analisados todos os relatórios de inspecções realizadas nos 18 distritos do país, fiscalizados quer pelo Instituto do Desporto de Portugal (IDP) quer pelas câmaras municipais, desde que o Decreto-Lei 379/97, de 27 de Dezembro, que estabelece as condições de segurança a observar nestes espaços, entrou em vigor”, explica Helena Cardoso de Menezes, presidente da APSI. Avaliar a forma como decorreu a aplicação do Decreto-Lei, as condições apresentadas pelos espaços e identificar eventuais alterações necessárias nos procedimentos das inspecções ou na própria legislação, inscreviam-se entre os seus objectivos. Assim, foram identificados 1334 espaços, cuja fiscalização foi feita pelo IDP, e 148, cuja fiscalização foi da competência das câmaras municipais. Números que ficam muito aquém do universo existente no país. “Compete às câmaras identificar os parques de jogo e recreio para, depois, notificar o IDP, o qual tem que ter um registo actualizado de todos os espaços existentes. Mas desde logo detectámos que havia distritos e municípios sem qualquer registo de inspecções, o que significava que muitos espaços não estavam sequer licenciados. Por outro lado, também não havia nenhum levantamento feito dos espaços privados, localizados em escolas, restaurantes, etc.”, esclarece a presidente da APSI.
No que diz respeito à responsabilidade pela fiscalização, a lei é clara: ao IDP compete fiscalizar os espaços de jogo e recreio geridos pelas câmaras municipais, cabendo a estas a fiscalização dos restantes parques. Contudo, de acordo com os dados obtidos na análise, existe alguma confusão nesta área provocada pelo facto destas últimas poderem delegar a gestão dos 'seus' parques noutras entidades, como juntas de freguesia. O que gera depois dúvidas sobre qual a entidade responsável pela sua fiscalização.
“Este estudo foi importante porque veio pôr a nu uma série de deficiências”, lembra Helena Cardoso de Menezes. “Questões como a falhas na formação dos profissionais que integram as comissões técnicas de inspecção (responsáveis pela realização das acções de fiscalização) ou as deficiências verificadas nos instrumentos de registo, que deixam espaço para alguma subjectividade”, contribuem, também, para a falta de segurança e qualidade nos recintos destinados aos mais pequenos.
No retrato feito pelo APSI, foi ainda possível detectar as falhas existentes no planeamento e concepção destes espaços, tendo sido identificados parques construídos junto de “lixeiras e pedreiras”. Situações que reforçam a necessidade de aprofundar a discussão em torno desta matéria.
Evolução significativa
Dois anos após a conclusão do estudo verifica-se uma melhoria substancial em aspectos críticos, como sejam a identificação dos parques - mais de quatro mil espaços de jogo e recreio encontram-se hoje referenciados pelo IDP, tendo sido identificados só em 2005 (um ano após a apresentação da análise) cerca de três mil parques -, e a formação dos profissionais envolvidos na concepção, gestão, manutenção e fiscalização dos parques infantis. Uma “evolução muito positiva”, como sublinha Helena Cardoso de Menezes. E para a qual contribuiu o protocolo assinado no final de 2004 entre a APSI, o IDP e a Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, que visa a promoção de actividades conjuntas na área de segurança infantil. A intensificação das acções de formação é a face mais visível desta cooperação. Contabilizando as acções realizadas no âmbito deste protocolo com as programadas e desenvolvidas no seio da actividade da Associação, a APSI formou, em 2005, mais de duas centenas de técnicos.
Legislação desajustada
Apesar da melhoria significativa, a promoção e o desenvolvimento de espaços de qualidade, diversificados, seguros e, simultaneamente, estimulantes requer um esforço contínuo. Assim, oito anos após a entrada em vigor da legislação, a APSI avaliou junto dos profissionais envolvidos na gestão dos espaços (urbanismo, arquitectura, construção, manutenção, fabricantes e fornecedores, laboratórios e organismos de certificação, inspecção e fiscalização), bem como junto dos utilizadores (escolas, associações de pais e de crianças com necessidades especiais) as dificuldades que têm surgido por lacunas ou incongruências da legislação, sua interpretação e aplicação.
As conclusões, apresentadas durante o “3º Congresso Espaços de Jogo e Recreio - Lei, Inovação e Boas Práticas”, realizado em Junho, apontam para a necessidade de se reverem e clarificarem alguns aspectos, nomeadamente a diferenciação de requisitos para espaços de dimensão, tipologia e função diversa (se o espaço é residencial ou urbano, se está localizado numa escola ou num parque público, etc.), a regulamentação dos seguros, a separação dos conceitos de fiscalização e inspecção, tendo sido sublinhada a urgência em se encontrar um novo modelo de fiscalização.
O estudo aponta ainda a necessidade de se introduzirem novos requisitos para os novos equipamentos e espaços que se desenvolveram nos últimos anos e de se divulgarem e implementarem as boas práticas. Estas e outras recomendações serão enviadas para o Governo até ao final do ano de modo a acelerar o processo de revisão da legislação.
Normas europeias em revisão
Não existem dados nacionais sobre os acidentes verificados nos espaços de jogo e recreio, nem sobre a sua gravidade. Mas, atendendo à experiência de outros países, está provada a eficácia da introdução de normas de segurança europeias na redução da gravidade da maioria das lesões. Nos espaços modernos, bem concebidos e bem mantidos, que respeitem as normas, a mortalidade é muito baixa e os factores de risco estão bem identificados. Para além da legislação nacional, os espaços de jogo e recreio devem observar os requisitos impostos pela norma NP EN ISO 1176 – que estabelece os requisitos gerais de segurança e métodos de ensaio para os equipamentos utilizados nos espaços de jogo e recreio - e pela NP EN 1177 - que define os requisitos
de segurança e métodos de ensaio para superfícies amortecedoras de impacto para espaços de jogo e recreio -, ambas em processo de revisão. “Irá haver alterações de fundo nestas normas”, avisa Helena Cardoso de Menezes, que é também a presidente da Comissão Técnica Nacional de Espaços de Jogo e Recreio.
“Até agora os requisitos da norma abrangiam todos os equipamentos destinados às crianças com idades compreendidas entre os três e os 14 anos de idade. No caso dos mesmos se destinarem a menores de três anos, a norma ditava requisitos adicionais. Esta barreira dos três anos deixa de existir com o processo de revisão. Ou seja, todos os equipamentos passam a ter que cumprir os requisitos ditados pela norma e os fabricantes que queiram introduzir características específicas nos equipamentos que se destinem a crianças mais velhas têm que, pelo design do equipamento, dificultar o acesso dos mais pequenos ao mesmo”, esclarece Helena Cardoso de Menezes.
Outra das alterações prende-se com a passagem dos requisitos das superfícies de impacto, que estavam na NP EN 1177, para a NP EN 1176. “Os equipamentos não podem ser utilizados em segurança sem que estejam definidas as áreas de segurança e as superfície de impacto. Com esta alteração, a NP EN 1177 passa, apenas, a descrever o método de ensaio para as propriedades de amortecimento das superfícies de impacto”, justifica Helena Cardoso de Menezes.
Eliminar a subjectividade e reforçar as boas práticas de projecto foi outra das preocupações dos técnicos envolvidos na revisão das normas. “As boas práticas são pensadas, comprovadas e têm impactos na redução de acidentes e também na manutenção dos espaços”, afirma a presidente da Direcção da Associação.
Um espaço de jogo e recreio é, quase por definição, um local de desafio e exploração em que o elemento risco não pode ser totalmente eliminado. “Os equipamentos têm que ter este elemento de risco, que faz com que a criança teste os seus próprios limites, mas tal não significa que tenha que haver um risco real de lesão grave. O que queremos é que seja criado um equilíbrio”, sublinha a responsável da APSI.
Inicialmente pensadas para a indústria, estas normas passaram a ser um instrumento fundamental para quem gere, fiscaliza e inspecciona os espaços de jogo e recreio. O processo de revisão da norma deverá estar concluído, o mais tardar, até Novembro de 2007. Sem efeitos retroactivos, os seus requisitos só se irão aplicar aos espaços construídos após a aprovação da norma. “Excepto”, como refere Helena Cardoso de Menezes, “se se verificar uma situação de risco elevado que ponha em causa a segurança das crianças”.
Outra das actividades empreendidas pela Comissão Técnica Nacional foi a revisão da tradução destas normas para o português, com o ajuste do documento, a interpretação e a verificação da sua compatibilidade com a legislação portuguesa, por forma a melhorar a sua aplicação e eficácia.
in SGS Global 19, Novembro 2006